Em entrevista à Cultura em Letras Edições, Fernanda Antonelly, que participa do livro “O silêncio das palavras”, lançado conosco em fevereiro de 2020 em parceria com Gabriel Myslinky (1990-2015), conta sobre seu trabalho no livro, perspectivas profissionais e sua relação com Gabriel, um amigo irmão que ela considera para toda a vida. Confira!

Como surgiu a idéia do livro “O silêncio das palavras”?

Surgiu através do Gabriel, eu há anos colecionava textos sobre o que eu sentia, era mais como um desabafo, no qual eu guardava no sentido de como o passar do tempo reler e ver o quanto amadureci, e aprendi com as experiencias amorosas e sobre a vida em si. Eu e Gabriel éramos ouvintes um do outro, eu sempre interessada nos textos dele e ele nos meus. Um dia no meu quarto eu lendo alguns textos meus ele disse: “Uau você escreve demais!” Respondi apenas gosto, diante disso pegou na minha mão e me fez a proposta de escrevemos juntos um livro, no qual nem saberíamos se sairia, mas esperança pode dizer que nunca nos faltou, nunca pensei em ser escritora e tal, mas sei que há talento em mim. Aceitei e trabalhamos muito com a verdade entre cada palavra e momentos que citamos no livro. Posso dizer, então, que partiu dele, ele sabia que eu era a pessoa que mais acreditava que iria dar certo. Não sei bem, mais ele sentia em mim que eu o ouviria ou leria seus textos sem julgamentos. 

Você e Gabriel eram amigos de longa data. O que os motivou a escrever?

O conheci melhor no ensino médio. Ele era o estranho aos olhos dos outros, mas dentro de mim ele era mesmo especial.  Para começar uma amizade fingir ser roqueira (risos), nunca havia ouvido um rock na vida e então nos entrosamos.  A partir daí foi surgindo uma amizade muito grande e verdadeira, isso há muito tempo e nem consigo me lembrar a data. O que nos motivou a escrever foram a forma que víamos o mundo, a que nos entregávamos aos relacionamentos e em como vivíamos a vida tão intensamente. E os porquês que sempre se mantinham em nós, queríamos mostrar como era sentir tudo aquilo para todos, queríamos que pessoas se identificassem que poderia sofrer ou estar sofrendo com os obstáculos da vida, vida amorosa ou qualquer outro tipo de situação. Devemos enfrentar, porque o amor com certeza vale à pena e com certeza o amor próprio.

Há quanto tempo escreve?

Conta os diários de quando tinha mais ou menos 7 anos? Eu sempre escrevi sobre tudo, principalmente sobre meus pensamentos e sentimentos mesmo antes de conhecer Gabriel. Ainda escrevo, tenho arquivado varias escritas em todo esse passar do tempo, escrever sempre foi uma terapia, além da musica e das composições, que pra mim também englobam sentimentos. Amo escrever e desejo muito  um dia lançar o meu próprio livro.

Como era sua relação com Gabriel?

Maravilhosa, um  amor com reciprocidade, amigos confidentes, às vezes discordávamos de alguma coisa, mas sempre chegávamos em um consenso. Éramos parecidos em vários aspectos, eu só era mais reservada e centrada, diria, ele mais vida louca, vivia pelo acreditava. Eu o admirava muito! Sabia que o mundo era pequeno pra ele, mas partindo para a relação… éramos nós sempre, mesmo que às vezes distantes, ainda nos mantínhamos juntos através de cartas e bilhetes.  Eu o amava, ele me amava, uma amizade que se eternizou em meu coração.

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Fernanda Antonelly estréia na literatura com “O silêncio das palavras”, em parceria com seu amigo irmão Gabriel Myslinsky.

Você se identifica com os fatos narrados por Gabriel no livro?

Em alguns aspectos sim. Nós concordávamos sobre muitas coisas, tínhamos uma visão de mundo diferente dos outros, nunca gostamos de seguir certas regras, posturas e padrões de vida. Éramos o que queríamos ser sem nunca nos preocupar com a sociedade. Claro que eu não explorava a vida da forma que ele explorava e experimentava o que dava vontade. Eu sempre fui a que o aconselhava por diversas vezes e o dizia sobre o limite de certas coisas e as ações que o traria reações e consequências não tão boas pra ele. Queria que ele se amasse em primeiro lugar. Eu sempre quis que ele cuidasse melhor de sua saúde, que seguisse seu tratamento psicológico, mas ele não ligava e achava que tudo o que pensava sobre a vida e mundo apenas importava. Mas sei que a falta de cuidado consigo mesmo também o influenciou muito e muitas atitudes que ele tomava. Ele era pra mim um cara de um QI nato, mas que não tinha discernimento para diferenciar o bem do mal, o certo do errado.

Na maioria dos capítulos, Gabriel se mostra resistente a muitos fatos da realidade, dando a impressão de querer fazer um mundo à sua maneira. Ele era assim?

Sim, ele era! Realmente não aceitava o mundo como era, achava injusto tamanha crueldade e injustiças, não conseguia conviver com o fato de existir o preconceito e sofria muito com isso. Gabriel nunca aceitou de fato em como a humanidade se competia, guerras, dinheiro, status e odiava o fato das pessoas seguirem esses padrões. Acredito pelo que o conheci que ele não só quis ser rebelde ou contra tudo que a humanidade impõe. Ele era inteligente demais e por ele mudaria o mundo, mas no fundo ele sabia e acreditava que isso nunca seria possível. Ele apenas era assim porque era como ele sentia livre, mesmo sendo um invisível para a maioria da pessoas. Ele não conseguia ser feliz, mesmo tendo tantos motivos pra ser e dizia já estar acostumado com a dor.

O que você define sobre você no capítulo de sua participação?

Uma garota imatura, que insistia em olhar para o escuro, sem compreensão de que a vida era muito mais do que os meus olhos poderiam ver. Solitária talvez, acho que por opção, antes não era tão sociável. Entre tudo que descrevi do meu eu interior está uma verdade intensa. Eu não planejei mostrar o que escrevia, mas Gabriel me ensinou a não guardar e que não éramos os únicos a lidar com tamanha dor. Com isso a prova está no livro em que estou em um capítulo onde me libertei e expus meus pensamentos e sentimentos mais ocultos. Espero que pessoas possam se identificar e não se sentirem solitárias, somos seres humanos e passamos por isso.

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Gabriel Myslinksy suicidou-se aos 25 anos em sua cidade natal, Madre de Deus de Minas (MG). Jovem, intenso, revoltado, roqueiro, gay assumido, amado e amante. Defensor nato da civilização e igualdade entre pessoas.

Em sua parte você demonstra ser uma pessoa serena, porém sentimentalista em acontecimentos que lhe marcaram. Você tem essa personalidade?

Sim, sou uma pessoa  serena, sentimentalista, por mais que não pareça, rs. Costumam dizer que é do meu signo rs, mais a verdade é que sou muito intensa, que descordo do mundo em que vivemos apesar de não deixar de apreciar também as coisas boas e lindas, ao contrário de  antes quando o Gabriel ainda estava por aqui. Eu digo que foi uma fase em que eu estava muito perdida e era muito imatura pra essa questão de lidar com sentimentos, não que eu seja expert hoje dia mais como dizem: é vivendo e aprendendo. Aprendi muito com a vida e a maturidade me ajuda a viver melhor com os desafios, hoje eu posso dizer que oque vale a pena é minha vida é viver cada segundo ainda com intensidade, porque a vida é curta demais pra eu continuar nos porquês e estar procurando sempre respostas de tudo, sendo que nem para tudo há respostas. Fiz das coisas que marcaram um ensinamento pra que eu leve pra vida.

Imaginou se tornar escritora?

Imaginar sim, não era um sonho confesso, mas depois que me aprofundei nos livros passei a amar, a sonhar em ser  escritora, porque eu gostaria muito que minhas palavras levassem ao leitor o que eles precisam ouvir. Olhar o que escrevo arquivado no computador ou mesmo em pastas em meu celular, me dá um sentimento de querer mais que isso, mais que palavras escondidas. Eu ainda me imagino me tornar uma escritora e neste momento respondendo a essas perguntas, me imagino muito mais. Gabriel ficaria feliz de ler isso agora!

O que você espera neste novo momento de sua vida? Quais seus planos?

Espero continuar escrevendo e continuar levando a memória do meu grande amigo para que todos o conheçam e que veja quem ele realmente era além de uma aparência. Além de unhas pretas, lápis nos olhos e roupas escuras, ele era a melhor pessoa que pude conhecer. Pretendo continuar lutando pelos meus sonhos e projetos.

Pretende continuar a escrever?

Não somente pretendo como continuo, claro quando vem inspiração, rs. Escrever como disse é uma terapia, gosto de me aventurar nas palavras e de me sentir autora da minha própria história. Aliás eu sou. Gosto de me sentir livre como me sinto quando escrevo. Escrever é o que vem me ajudado muito a viver interiormente em paz.

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A amizade de infância com Gabriel Myslinsky despertou em ambos a contarem as histórias de suas vidas em “O silêncio das palavras”.

Como vê a ausência de Gabriel em sua vida?

Foi difícil me conformar. Em anos de amizade, ele sabia que podia contar comigo, mas ainda sim não veio a mim, ele se foi e junto foi parte de mim. Eu o amava, o amo. Hoje me conformei, afinal não podia viver com todo aquele peso. Fiquei muito machucada durante muito tempo e chorei calada. Olhar nossas fotos ainda mexe comigo, mas depois dos livros tudo mudou dentro de mim como um flash de luz. Estou feliz e realizada por mim e  por ele, e hoje mesmo sentindo sua falta me mata a saudade quando folheio as páginas e o sinto tão perto  de mim.

Qual foi sua reação ao saber do falecimento de Gabriel?

Fiquei anestesiada, não sentia nada, não podia estar acontecendo aquilo, horas antes ele estava me entregando bilhete e flores no palco horas depois estava sem vida, e nossos planos e projetos (pensei) e nossa amizade? eu so me perguntava, até ve-lo sem vida e acreditar que oque mais temia estava acontecendo, foi um dos piores momentos que já passei  na vida.

Qual foi sua reação ao saber do falecimento de Gabriel?

Fiquei anestesiada, não sentia nada, não podia estar acontecendo aquilo. Horas antes ele estava me entregando um bilhete e flores no palco de um show que realizei na cidade e horas depois estava sem vida. Nossos planos e projetos (pensei), e nossa amizade? Eu só me perguntava, até vê-lo sem vida e acreditar no que mais temia estava acontecendo. Foi um dos piores momentos que já passei na vida.

Acredita que Gabriel esteja feliz por seus livros?

Com toda certeza sim! Era seu sonho e onde quer que esteja ele está feliz, empolgado como ficava mesmo quando ouvia um rock que mais gostava. Mas com seus livros triplicaria essa felicidade. Gabriel era assim, sorria quando algo dava certo. Ele era intenso, isso já explica muito em como ele se sentiria e eu acredito, sim, ele está completamente feliz!

Você estréia na literatura com um capítulo, na história de um grande amigo. O que diria para os futuros autores que investem neste mercado?

Que não desistam de seus sonhos, que não engavetem seus textos, sejam eles, uma história de amor, poema ou crônicas, apenas insistam. Tudo acontece mesmo que demore. Acredite em seu potencial e lute. Não tínhamos ideia do que nossos projetos e seus outros livros dariam certo, mas olha a gente aqui dentro de paginas, contendo tudo o que um dia sonhamos em lançar.

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